Camila Pitanga, que levou o prêmio de melhor atriz no Festival do Rio |
"Me interessou de cara trabalhar com o Beto e o Renato", diz a atriz à Folha. "Eles vivem o lugar [da filmagem], aquela atmosfera, para criar intimidade e isso passar para a tela. Não é só pesquisa de linguagem, tem uma coisa de sensibilidade, de lidar com o encontro."
A carioca também foi atraída pela possibilidade de "dar a cara a tapa" interpretando a complexa Lavínia, uma prostituta drogada que se casa com um pastor, vai para o Norte do país e forma um triângulo amoroso com um fotógrafo.
"Essa personagem, nos trânsitos tão radicais que vive, não é um trabalho simples. Sabia que estava correndo riscos, mas era o que estava me propondo como artista: sair da área de conforto, fazer algo que me desafiasse."
O resultado, além de ter lhe rendido o troféu no Rio, trouxe grande exposição pelas inéditas cenas de nudez e de sexo, muito sexo. "Isso está no livro, assim como nos trabalhos do Beto, não é uma particularidade desse filme", diz a atriz.
"O sexo é belo, é fundamental na vida das pessoas. Foi muito vulgarizado no cinema e em tudo que é lugar, mas eu sempre via, nos filmes do Beto, uma dimensão de beleza no ato sexual, então isso me deu uma tranquilidade. Eu sabia que estava fazendo uma personagem que não estava calcada nisso, mas isso fazia parte e era pertinente, dentro do triângulo amoroso, o sexo define as relações. Foi até uma decisão nossa que a relação da Lavínia com o Ernani [o pastor] também fosse quente, gostosa, também tivesse gozo, para que o triângulo ficasse mais tenso, para que o dilaceramento dela ficasse mais nítido."
O diretor Beto Brant diz que a escolha de Pitanga para o papel "aconteceu depois que visitamos a locação e vimos como as mulheres são lá. O jeito de viver do paraense é muito colorido, é uma desencanação absoluta com o corpo. A Camila tem uma coisa cabocla, mestiça, e está no auge de sua carreira como atriz."
Ele e seu parceiro, Renato Ciasca (amigos desde a faculdade), dizem não temer que a nudez da estrela global acabe dominando as conversas sobre o filme. "Eu não vou deixar de chamar uma mulher que tem esse carisma, que pode levar nossa mensagem para tantas pessoas, por medo de que reduza o foco do filme", diz Brant.
"Acho que tanto a beleza das cenas de sexo quanto o dilaceramento da personagem tocaram as pessoas. Acho natural essa conversa, se eu me grilasse com isso estaria sendo um pouco ingênua", diz Camila. "Sexo causa frisson nas pessoas, que bom."
LABORATÓRIO E EXPERIÊNCIA PESSOAL
A atriz carioca diz ter feito muita pesquisa de campo para compor sua personagem, que atravessa três momentos bem distintos na tela. "Fiquei entrevistando pessoas, observando determinadas posturas. Eu gosto de levantar repertórios, experiências, vivências, e aí, na hora, isso deságua, alguma coisa dessas minhas pesquisas aparece. Eu adoro fazer isso, é um alimento não só como atriz, mas como ser humano. Ganho muito nessas conversas."
Camila define Lavínia como uma mulher que, dividida entre dois amores, se dilacera mentalmente.
"Tenho pessoas na minha família que têm problemas psiquiátricos, então tenho uma intimidade com esse assunto, ainda que ninguém tivesse as características do que vive a Lavínia. Quando eu li [o roteiro], é lógico que isso me emocionou, mas fiz uma opção por não ficar presa a essa memória emotiva. Eu queria olhar a situação complexa dessa mulher como um objeto artístico. Se viesse alguma coisa do meu repertório pregresso, bacana, mas não quis me calcar nisso porque achei um risco, achei que ia virar terapia, e não era terapia, eu estava fazendo um trabalho."
Após a fase da filmagem na região de Santarém (PA) --que Camila descreve como "um oásis", não só pela locação, mas pelo ritmo de trabalho e pela camaradagem da equipe--, a última etapa do filme, feita no Rio, foi sofrida. A atriz, que tem 1,71m e pesa "59kg, 60kg", diz que precisou emagrecer muito para retratar o momento em que sua personagem está no fundo do poço, drogada.
"A gente começou em Santarém, eu lá, saudável, comendo peixe todo dia. Aqui no Rio foi punk, fiquei duas semanas em uma dieta séria, horrorosa, sofrida. Só podia comer peito de peru, salsicha, queijo. O problema é que eu sou violão, então eu estava doente, mas não parecia. Acho que cheguei aos 56kg."
Beto Brant diz que o regime radical "deu uma irritabilidade nela durante a filmagem", o que a atriz confirma. "É claro! Eu sou uma pessoa totalmente saudável. Sou natureba, acordo cedo. Estava em looping, dormindo de dia, trabalhando de noite. Mas foi ótimo, porque colaborou para retratar aquele estado da Lavínia."
Nessa fase da filmagem, Camila ganhou um amparo familiar que considerou fundamental: seu pai, Antonio Pitanga, dividiu uma cena com ela, em uma ponta no filme.
"Meu pai apareceu no último dia de filmagem, foi um colo, um carinho no meio de um processo violento. Foi muito emocionante, porque é um trabalho especial na minha vida, e ele é meu parceiro."
CANTORA E LETRISTA
É com um constante sorriso nos lábios que Camila fala da "comunidade artística" formada pela equipe durante as filmagens _paralelamente ao trabalho, liam juntos, assistiam a filmes, montaram uma banda (Os Outros Fantásticos), "trocavam" entre si, para usar um verbo que a atriz repete com frequência.
"Criou-se um elo de cumplicidade para a cena e para a vida, é um dos grandes legados que esse filme me trouxe. Acabei sendo provocada a me repensar como artista."
Nesse sentido, teve uma boa chance para experimentar quando Domenico Lancelotti a convidou para cantar com ele e seus parceiros (Kassin, Pedro Sá) em um projeto que deve chegar aos palcos em janeiro.
"Sempre cantei, fiz aula de canto, mas me intimidava na hora de dar a cara a tapa. Mas, agora que fiz o filme, estou escolada, vou me arriscar na música, muito bem acompanhada, e seja o que Deus quiser", diz a atriz, que também ganhou de Domenico uma música para fazer a letra.
"Estou me aventurando, quero isso para a minha vida, sou artista. Esse filme me fez ver mais ainda o quanto posso ser livre para arriscar. Não sei se vou acertar, mas tudo bem, tudo certo."
A convivência com seus colegas de set em "Eu Receberia..." também vai frutificar no teatro, onde encenará, no ano que vem, "Lá Fora Vai Estar Chovendo Sempre", texto de Gero Camilo que ele dirige com Gustavo Machado (ambos atores do filme) e no qual os três atuam.
"É sobre uma família que vive à deriva numa casa flutuante, após o degelo das calotas polares, esperando um lugar para ancorar", diz Camila, que interpretará um garoto na peça _em fase de captação de patrocínio, via Lei Rouanet.
Depois da peça, voltará aos sets de filmagem para mais um longa que se passa no Pará. "Fui chamada para fazer 'Serra Pelada', do Heitor Dhalia, com o Wagner [Moura], meu irmão. Vamos filmar no final do ano que vem."
Veja o trailer do filme 'EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS'
FONTE: FOLHA.COM
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