Lima Duarte levou alguns segundos para se dar conta de que "Roque Santeiro", um dos grandes sucessos da teledramaturgia nacional, completa 25 anos em 2010.
- Já? Tudo isso? Foi em 1985, não é? - pergunta Duarte, ainda surpreso com a passagem do tempo.
Lembrado até hoje pelo fazendeiro Sinhozinho Malta, o ator foi um dos vértices do triângulo formado ainda pela extravagante Viúva Porcina (Regina Duarte) e o mítico Roque Santeiro (José Wilker). O trio estava no centro nervoso da ação que se desenrolava na fictícia cidade de Asa Branca. Fruto da imaginação do autor Dias Gomes, a trama marcou recorde histórico de audiência, de 100%, no último capítulo.
A novela trazia um despudorado Lima Duarte, que sabia rir dele mesmo ao topar usar uma peruca - ideia do autor, conta o ator. Em cena, o protagonista era capaz de qualquer coisa: ele se jogava no chão e fazia as vezes de "cachorrinho" para satisfazer o fetiche da viúva de Regina Duarte.
- Porcina falava: "lambe a minha mão". Eu caía de quatro no chão e lambia! Estranhei na primeira vez em que me pediram para fazer aquilo. Depois fui achando normal. O personagem era exuberante e barroco, chorava em cima da vaca morta - conta.
Exibida originalmente em junho de 1985, "Roque Santeiro" chegará às lojas em agosto em DVD, com 16 discos que trazem mais de 50 horas de conteúdo - a versão sofreu leves cortes. O lançamento serve para dar a dimensão da importância da trama: é a primeira vez a TV Globo adapta um folhetim para este formato.
- A relação que tenho com a trama é a de um momento específico da minha vida. "Roque Santeiro" me faz lembrar ditadura, repressão, abertura e liberdade - diz Duarte.
O ator foi escalado para viver o poderoso fazendeiro em 1975, numa versão anterior da novela, que acabou censurada dias antes da estreia, já com 36 capítulos gravados. Betty Faria e Francisco Cuoco fariam Porcina e Roque.
Lima Duarte foi o único protagonista original que estava disponível quando a TV Globo produziu a novela dez anos depois. Para viver Porcina, o supervisor da novela, Daniel Filho, e o diretor-geral, Paulo Ubiratan, apostaram na desconstrução da imagem de namoradinha do Brasil de Regina Duarte.
- Porcina me deu possibilidade de vivenciar emoções de A a Z. Ela marcou a minha carreira a ferro e fogo - afirma a atriz, reconhecida até hoje pela fogosa viúva: - Ela é sempre a minha primeira personagem a ser lembrada pelos fãs.
A atriz recorda alguns lances nos bastidores. E conta que gravou suas primeiras cenas duas vezes: sem e, depois, com o sotaque que acabou sendo adotado pela personagem.
- Outra lembrança que tenho é a do maquiador Eric Rzepecki, um visagista genial que cuidou de mim só no primeiro dia e sabia que eu me virava fazendo minha própria maquiagem. Levei o maior susto quando ele veio com aquele batonzão vermelho e a sombra azulona na pálpebra - descreve a atriz.
Regina revela que o famoso turbante de Porcina surgiu por acaso. Como o cabelo da atriz é muito fino, o acessório era usado para preservar os cachos antes de ela entrar em cena:
- Tinha uma sequência importante, de festa, onde Porcina deveria estar toda arrumada. Pedi ao diretor para gravar as primeiras cenas do dia, que eram caseiras, com o cabelo preso, para não desmanchar os cachos. Marco Aurélio, o figurinista criador do visual da personagem, veio com uma echarpe e fez um arranjo à la anos 50 para cobrir os rolinhos. Nasceu assim o turbante da Porcina.
Outra figura fundamental desta produção foi Aguinaldo Silva, que assumiu "Roque Santeiro" a partir do capítulo 40. O autor costuma dizer que a obra é uma novela de Dias Gomes escrita por ele.
- Foi graças a "Roque Santeiro" que me tornei realmente novelista. Antes, em "Partido alto", cumpri apenas uma tarefa que me foi imposta. Já na segunda novela eu percebi que realmente queria fazer aquilo. E lutei até o fim para que a minha contribuição para o sucesso da trama fosse reconhecida justamente por isso: porque sabia que esse reconhecimento me alçaria ao primeiro time dos novelistas - acredita Silva.
Dias Gomes escreveu o argumento da trama e deixou 40 capítulos prontos. Desse ponto em diante, Aguinaldo assumiu o folhetim, que comandou até o capítulo 163 - foram 209 ao todo -, quando Gomes decidiu retomar seu trabalho. Silva admite ter ficado chateado e diz que o clima pesou.
- Antes de a novela estrear, Dias viajou para a Europa. Quando voltou e constatou que era um sucesso, passamos a nos reunir uma vez por mês. Na quarta reunião, o que se esperava é que eu lhe entregasse a novela para que ele escrevesse o final. Mas não fiz isso. Reagi muito mal. Eu tinha consciência de que era o autor do que os telespectadores estavam vendo.
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