domingo, 28 de novembro de 2010

ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DE JEAN WYLLYS NA COLUNA DE ANCELMO GOIS DO JORNAL O GLOBO

Entrevista que o jornalista, professor e agora deputado federal eleito pelo PSOL do Rio de Janeiro, Jean Wyllys, concedeu à coluna de Ancelmo Góis em O Globo, e que foi publicada com cortes na edição de hoje (28/11) do jornal.

Aqui você lê a entrevista na íntegra:

Ivan e Chico são políticos veteranos na luta da esquerda. Ao lado deles, você não se sente um estranho no ninho?

- Não me acho estranho no ninho. Embora eu seja bem mais novo que eles, tenho também história de luta política à esquerda, a minha história. Comecei nas pastorais da Juventude Estudantil e da Juventude no Meio Popular, em Alagoinhas, Bahia, minha terra natal. Vivi minha infância e início da adolescência na extrema pobreza da periferia de Alagoinhas, interior da Bahia e minha terra natal. Lá, os padres ligados à Teologia da Libertação fizeram as comunidades eclesiais de base e o movimento pastoral, que organizavam politicamente o povo e lhe dava perspectivas. Por exemplo, eu só tive acesso aos livros nessa época porque freqüentava a biblioteca da casa paroquial… Depois, já na faculdade de jornalismo, aproximei-me dos movimentos negro e gay, ou seja, sempre militei pelos direitos humanos. Minha história não é de agora. Por isso, não me sinto estranho no ninho. Ivan e Chico têm muito a me ensinar, claro. Mas só posso parecer estranho no ninho aos olhos de gente de “esquerda” ignorante e obtusa. Ignorante porque ignora minha história e sequer tenta ir atrás dela, fica parada na informação televisiva.

Você teve cerca de 13 mil votos, foi apoiado por artistas como Caetano Veloso e Wagner Moura, mas sua vitória se deve a Chico Alencar. O que diria aos 240.724 eleitores que votaram nele e acabaram também elegendo você sem esta intenção?

- Primeiro é preciso deixar claro que a minha eleição se deve não apenas aos votos de Chico Alencar, mas aos votos de todos os companheiros de legenda, incluindo aí os meus próprios votos. Nós, juntos, somamos um total de votos que permitiu eleger dois candidatos: o mais votado, Chico Alencar, e eu, o segundo mais votado. Claro que, para essa soma, o Chico contribui bastante já que teve uma votação expressiva. Porém, por um lado, é preciso que se leve em conta que o Chico já é um parlamentar com muitos mandatos, logo, com trabalho importante para mostrar; por a isso, o PSOL priorizou a reeleição dele, assim como a de Marcelo Freixo. A dobrada “Freixico” era a prioridade, tanto que eles tinham quase todo tempo de tevê, incluindo aí todas as inserções fora do programa eleitoral gratuito que são importantíssimas para se chegar aos eleitores, já que a ampla maioria dos eleitores não assiste ao programa eleitoral. O PSOL temia que Chico e Marcelo não fossem reeleitos e, por isso, investiu neles. Não acho que o partido errou. Foi uma decisão acertada já que Chico e Marcelo têm trabalhos importantes que devem ser mantidos. Mas é preciso que se explique a distância entre as votações. E os eleitores do Chico não são todos de esquerda. Ele foi bem votado sobretudo por sua ética pública. Tanto que, quando decidimos dar apoio crítico a Dilma no segundo turno, fomos atacados. Eram eleitores dele, mas próximos daquele moralismo religioso que PSDB defendia. Por outro lado, além de eu ter feito uma campanha invisível aos olhos do grande público por não usar placas nem adesivos de carro ou de roupa, e optar pelo uso das redes sociais e comícios domésticos para ser ecologicamente correto, além disso, não quis usar a imagem de vencedor do “BBB” na campanha nem me apresentar como candidato exclusivamente LGBT. Não se trata de rejeitar a experiência no BBB, que é um programa de que gosto e que é meu objeto de estudo no Doutorado, mas queria deixar claro que se trata de um novo tempo e que eu queria vencer pelas bandeiras e não apenas pela popularidade. Quanto a não me apresentar como candidato exclusivamente LGBT, corresponde à verdade, já que eu milito em favor de Direitos Humanos, de Educação de qualidade e cidadã e por justiça social. Além disso, a comunidade LGBT tende historicamente a não votar em seus candidatos porque a grande maioria dessa comunidade tem homofobia internalizada, ou seja, como diz Marcel Proust, a ordem homofóbica faz nascer, dentro de muitos homossexuais, um “anti-homossexual que se volta contra os exemplares visíveis da espécie”. Do contrário, como explicar o fato de a parada gay de São Paulo reunir três milhões de LGBTs e nenhum candidato LGBT conseguir ser eleito lá? A maioria de LGBTs gosta de festa, de academia, grifes, glamour, mas é despolitizada por causa da homofobia internalizada, embora sofra bastante por causa da homofobia exterior. Resumindo, trabalhei muito para ser o segundo mais votado do PSOL. Não cheguei aqui à toa. Batalhei muito e sem os recursos dos outros candidatos, além de enfrentar os problemas comuns a uma primeira candidatura e os preconceitos em relação à minha passagem pelo BBB. Assim, o recado que posso dar aos eleitores do Chico é: também sou comprometido com a ética pública, também tenho compromisso com a educação e a justiça social, sobretudo. Os eleitores do Chico não têm, portanto, o que temer.

Há no meio intelectual que apoia o PSOL quem não goste do “Big Brother”. Você enfrentou alguma discriminação na campanha por ser um ex-BBB?

Não percebi discriminação na campanha. Tive uma adesão muito rápida à minha candidatura de gente de prestígio. Wagner Moura, por exemplo, declarou voto em mim. Caetano, também. Isso me blindou contra a tentativa de parte da imprensa de me empurar para a ala dos candidatos celebridades ou bizarros. Então, fiquei invisível para a imprensa. Esse preconceito, de fato, senti em parte da militância do PSOL que gravita em torno do Chico e do Marcelo. Não por parte deles dois, que me acolheram de braços e corações abertos, mas de militantes que têm o autoengano de se achar “intelectuais” e, por isso, desprezam cultura de massa. Autoengano porque intelectual sou eu, que li tanto, tenho mestrado em letras e linguistica, faço doutorado em antropologia do consumo, participei de congressos, seminários, publiquei artigos, escrevi três livros, um deles premiado pela Fundação Casa de Jorge Amado, e dou aula de teoria da comunicação em duas universidades. Não falo isso com arrogância. Falo para desconstruir o preconceito dessas pessoas. Fui candidato para atender a um pedido da Heloísa Helena e aqui estou. Quando percebi o tititi sobre minha candidatura, me posicionei e botei as coisas no lugar. A esquerda não pode desprezar a cultura de massa como objeto de estudo, até politicamente, pois é a cultura de massa que forma as mentalidades neste país de poucos leitores. Como compreender o país, onde há poucos leitores de livros, desprezando a cultura de massa? De modo que tenho muito mais a contribuir com o PSOL do que essa parte da militância supõe.

O que você acha de ex-colegas de “BBB” que parecem buscar a fama a qualquer preço? Ou prefere se ausentar desse debate?

- Não me ausento desse debate. Mas, se é para falar disso, vamos fundo. Não são só os participantes de realities shows que estão em busca da fama ou da exposição sem propósito. A ampla maioria da sociedade está em busca dela. Veja a maneira como as pessoas se expõem em redes sociais como Orkut, Facebook e Twitter e em vídeos do Youtube. Aliás, a exposição em realities shows quase sempre tem um propósito, que é ganhar um prêmio. Já a exposição e a busca pela fama nas redes sociais e no Youtube é quase sempre despropositada. O curioso é que muita gente que expõe dessa maneira abre a boca para criticar os participantes do realities shows, o que sinaliza não só uma contradição moral, mas uma inveja daqueles que chegaram onde ela quer. São os tais 15 minutos de fama que todos buscam, como disse Andy Warhol (o pintor e cineasta americano falecido em 1987), não de modo pejorativo, como a imprensa hoje reproduz, mas como algo positivo e legítimo numa sociedade movida a inovação e a diferenciação. Não há como desprezar isso. Gosto de realities shows, não só do “Big Brother”. Mas alguns participantes, quando saem, não estão preparados para a exposição a que se submeteram. Ficam deslumbrados com o assédio ambíguo da imprensa de celebridades e com os afagos do público fascinado por qualquer pessoa que apareça na tevê. Por que sites como Ego têm de seguir um ex-BBB que vai à praia ou ao restaurante? O que é isso? Que importância tem? Quando esse assédio ambíguo é transferido para novas “celebridades”, em geral, os caras passam a pagar micos para continuarem expostos. É lamentável. Eu desconstruí isso porque sempre me protegi do assédio ambíguo da imprensa, sempre soube dizer não, porque caguei para a fama e priorizei o trabalho. Antes de a imprensa dizer que eu não era mais celebridade, eu joguei o rótulo no lixo; antes de os fotógrafos desistirem de mim, eu pedi para que não me fotografassem porque eu não era fotografável. Fiquei dois anos como repórter do programa da Ana Maria Braga, não estava feliz com o resultado e pedi demissão. Então, a mesma imprensa que sacaneia o cara que paga mico quando sai do “BBB” também tem problemas comigo por não querer participar desse jogo. Quando acho algo realmente relevante, vou lá e participo. Não quero é circo.

Que bandeiras você levará para o Congresso?

- A dos direitos humanos, a das minorias, a bandeira feminista, a do povo de santo ou adeptos das religiões afro-brasileiras e a dos LGBTs. E as maiores de todas as bandeiras, que são a da educação e a da justiça social.

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